segunda-feira, 24 de março de 2008

Notas sobre o Conflito

Nota n°1
"Era uma vez um casal que se conheceu, se beijou e se comeu.
Depois disso, os dois se apaixonaram e viveram felizes para sempre."
Ninguém, nem mesmo a mais ridícula das adolescentes, jamais acharia uma comédia romântica (leia-se brega) a melhor se o casal não tivesse uma briga ou não fosse separado perto do final feliz do filme.
Ninguém, nem mesmo a mais banguela das velhinhas, jamais elogiaria uma novela se não tivesse uma vilã sem escrúpulos na trama.
Pois é, o conflito se mostra necessário desde as coisas mais estúpidas da vida.


Nota n°2
O princípio mais básico da felicidade: o alívio que se sente ao tirar botas apertadas ou o barato prazer de se descobrir e se cobrir novamente numa noite fria.
Este princípio não difere muito da sensação que se tem ao soltar a pele após se biliscar fortemente durante alguns segundos.
Por sua vez, em grau mais elevado, temos os sado-masoquistas considerados anormais escórias da sociedade, que se auto-flagelam pra valer.
Na essência, porém, somos todos meio masoquistas.


Nota n°3
Outro princípro, o básico dois da felicidade:
Ver alguém se fuder e, apesar de dizer "que horror" ou "que dó" ou ainda "que deus a tenha", no fundo (alguns nem tanto) dizer "haha, se fudeu" ou "antes ele do que eu".
Ver alguém indo de mal a pior nos faz, por um momento, parar de olhar para cima, nos aliviando do torcicolo da inveja, e olhar para baixo, ato que nos faz sentir um leve carinho no ego.


Nota n°4
Todo final de férias, os mesmos estudantes que no final das aulas estavam entediados do período letivo, estão entediados do período vagabuntivo.


Nota n°5
Animado com algo novo e divertido?
Seu novo emprego é demais?
Pombinhos apaixonados no paraíso?
É bom aproveitar, porque amanhã vira rotina.



Nota n°6
Dizem as más línguas (ou seja, todas) que pobre sempre reclama que nunca tem nada, mas quando tem enchente reclama que perdeu tudo.
Por outro lado, por exemplo, qualquer pessoa só dá real valor à saúde depois de perdê-la.
Ou seja, não importa quão rico alguém é, todo mundo é pobre.


Nota n°7
Tudo que é bom faz mal.
Desde o bacon ao ar que você respira, incluindo aí sexo, drogas e rock n' roll.
E que mal viu, um mal estar da civilização (como diria Freudão).


Nota n°8
Cria tu teu filho radicalmente de um jeito e verás que ele, ao crescer, será o oposto.
Que assim seja.


Nota n°9
Que mané paz mundial o quê.
O que é bom para ti quase nunca será bom para mim e vice versa.
O mesmo vale para todas as outras pessoas, do singular e do plural.



Nota n°10
Se não fossem os antigos e suas guerras, hoje não teríamos tal domínio sobre a metalurgia.
Se não fossem feridas abertas e falta de tempo, material e gente na Guerra do Vietnã, hoje não teríamos o privilégio de colar nossos dedinhos no vaso com Superbonder.
Se não fossem os nazistas e a visão de mercado da Coca-cola, hoje não teríamos a Fanta.
Se não fosse a Guerra Fria e a corrida espacial para ver quem conseguia mísseis
intercontinentais melhores e mais rápido (ou você achava que apostaram um picolé de limão para ver quem chegava na lua primeiro?), hoje não teríamos satélites, celulares nem pasta de dente para criança (para os astronautas engolirem).
O melhor combustível do progresso sempre foi a Guerra.
Queima que é uma beleza.
Cidades, mulheres e crianças.



Nota n°11
Nossa História, ó grandiosa história da, ó, gloriosa humanidade, foi inteiramente escrita com sangue e petróleo pelas habilidosas mãos da ganância.
Estas mãos firmes que seguram a pena e... espere um pouco, tenho quase certeza que ela não tem pena nenhuma.



quinta-feira, 20 de março de 2008

Perfil de Orkut

sexo: muito liberal, de esquerda, com outra(s) pessoa(s)
relacionamento: tentando parar, autoritário ao extremo
ano de nascimento: depende
intessado(a) em: poder, riqueza material
filhos: prefiro que fiquem no zoológico
religião: na moda
visão política: seco/sarcástico
humor: negro
orientação sexual: sem fins lucrativos
estilo: gay
fumo: com meus pais
bebo: com filho(s)
animais de estimação: homens e mulheres
moro: jogatina e cassinos
quem sou eu: não consta na lista
paixões: panturrilhas
esportes: nadar nu
atividades: não
cozinhas: gosto de animais de estimação
o que mais chama atenção em mim: heterossexual
altura: pós-doutorado
tipo físico: casado(a)
aparência: pateta/palhaço
do que mais gosto em mim: mel
o que me atrai: título de mestre
o que não suporto: só eu
primeiro encontro ideal:

com os relacionamentos anteriores aprendi: não
cinco coisas sem as quais não consigo viver: material erótico, índias orientais, título de tecnólogo, fumo, defesa aeroespacial
no meu quarto você encontra: cabelos compridos, mãos, braços, pés, luz de velas, indígena americano
par perfeito: sim - não moram comigo

terça-feira, 18 de março de 2008

Homem bem sucedido

- Senhor, senhor! Desculpe incomodá-lo, mas a senhora Jones sofreu uma queda violenta agora há pouco!
- Meu Deus! Não, não! Como assim?!
- A sua esposa! Ela...
- Ahhh, a velha... Ufa, por um instante achei que você estava falando da Dow Jones.


sábado, 15 de março de 2008

Cogito, ergo sum

A palavra relacionada a Descartes é:

a) Cartomante
b) Cartagena
c) Carteiro
d) Descartável

quarta-feira, 12 de março de 2008

A Morte e a Memória

Em um fortuito encontro planejado pelo acaso, ele reencontrou uma antiga paixão, esquecida em meio a um álbum de fotografias empoeirado.
Desde então, aquela pequena brasa moribunda que havia permanecido em imbernação por longos anos sob densas camadas de cinzas reacendeu e queimava cada vez mais forte.
Sem conseguir pensar em outra coisa, resolveu contatá-la pelo telefone, mas ela já não mais residia naquele endereço que lhe trazia tantas lembranças.
Começou, então, a buscar notícias dela por meio de terceiros.

Após alguns dias de fracassadas tentativas, finalmente soube, por meio de uma velha amiga, que há algum tempo, sua antiga nova obsessão sofrera um acidente automobilístico que a deixou entre a vida e a morte.
Os médicos conseguiram salvar completamente seu corpo, mas seu cérebro sofrera danos irreversíveis e sua memória, de longo e de curto prazo, estava comprometida a tal ponto que ela teve de ser transferida para receber cuidados especiais em um asilo.
O choque que ele sentiu ao ouvir a trágica notícia tirou dele qualquer palavra que ele havia em mente.
Levantou-se, acenou com a cabeça para sua amiga e voltou para casa em silêncio.
Algo dentro dele havia mudado desde que soube da notícia.
Ele sabia.
Ele sentia.
Só não conseguia dizer o quê.
Passou o dia inteiro na poltrona, quieto e imóvel.

No dia seguinte, quando acordou, viu a foto que retirara do álbum e deixara sobre a mesa de cabeceira.
Esta imagem o fez fechar os olhos para a notícia do dia anterior e motivá-lo a ir visitá-la.

Logo que chegou, ele a reconheceu.
É, era ela mesma.
E continuava linda e jovial.
Sentada no jardim com um olhar sereno direcionado para as nuvens bailando no céu, nem percebeu aquele estranho se aproximar.
- Bonito dia, não? - disse ele, um pouco sem jeito.
As primeiras palavras que lhe surgiram foram "Lembra-se de mim?", mas as engoliu.
Ele não queria ouvir a resposta que sabia que ouviria.
Parte dele ainda negava, ainda queria acreditar que havia uma parte dela que o guardava carinhosamente na memória.
- É... - disse ela com um ar vago, analisando o recém chegado - acho que sim...
Sem saber direito o que dizer em seguida, os dois permaneceram em silêncio até que ele, um pouco incomodado, começou a falar do tempo.
Novamente, o silêncio sobreveio após algumas palavras, e assim se seguiu com outros assuntos banais.
Ainda relutante em aceitar o que já sabia, começou a fazer diversas perguntas, quase todas relacionadas a algum momento do passado que ambos compartilharam.
A resposta que ouvia era sempre negativa.
Em um último esforço para tentar vencer o combate impossível, juntou as migalhas de esperança que lhe sobravam.
Com os olhos úmidos e um pouco gaguejante, ele perguntou hesitante:
- Qual... me me desculpe perguntar isso, mas q-qual é a última coisa de que se lembra?
E ela calmamente lhe contou o que fizera naquela manhã, a pequena conversa que tivera com um médico, as instruções que dele recebera...
- ... e sinto uma estranha sensação de que esqueci alguma coisa, sabe? Só não consigo lembrar o quê. Daí eu estava caminhando aqui nesse jardim tentando lembrar quando olhei para cima, vi as nuvens e esqueci que tinha esquecido, haha, não é engraçado? - disse ela, sorridente - E então o senhor apareceu. Me disseram que amanhã eu já não vou mais lembrar do seu nome, mas como você se chama?

Ele caiu em prantos.
Finalmente, compreendeu que sua amada havia falecido naquele acidente.
Aquela mulher de carne e osso em sua frente era um fantasma intangível que o assombrava, que invocava nele as memórias de quem ele amou.
Que invocava nele as memórias que ele ainda ama e sempre amará.
Entendeu que se por ventura jamais tivesse recebebido tal notícia, ela ainda, ao menos para ele, estaria viva, com o coração palpitante, perdida em algum lugar do mundo, fazendo com que a morte existisse em diversos momentos, sendo mais uma série de múltiplos eventos ocorridos quando a informação é recebida em diversos pontos do que um acontecimento único.
E em sua morte, ela agora viva em paz.
Vivia em cada dia uma vida inteira.
Vivia cada dia como se fosse o último.
E em sua tristeza, ele agora aprendia a aceitar.
Compreendeu que era isso que ela era (ou foi).
Compreendeu que era isso que ele amava.
Memórias.







quarta-feira, 5 de março de 2008

Nota sobre o ato de escrever

Todo escritor é um colecionador de idéias, um arquivo de rascunhos mentais.
Sua mente é uma mente sem âncora num mar turbulento que, no caminho para materializar em palavras seus pensamentos e divagações, perde grande parte daquilo que carregava no início da jornada e, quiçá, se perdendo de sua rota inicial ou mesmo naufragando.
Embora alguns possam dizer que o ser humano pensa por palavras, algumas idéias são indizíveis, intraduzíveis para uma linguagem convencional.
Assim, às vezes, mesmo inspirado e com idéias palpitantes, o escritor põe a caneta no papel, mas deixa-o em branco.
Certas coisas abstratas têm como barreira de comunicação o mundo físico.
Por outro lado, às vezes, sem idéia nenhuma, o escritor toca o papel com a caneta e palavras começam a jorrar da ponta desta, preenchendo o papel quase como uma criatura independente.
Mais que um desejo do próprio artista, é um desejo comum de ambos objetos.
Ou talvez, mais que um simples desejo, é uma necessidade física que ambos, como dois amantes na calada da noite, sentem.
O escritor, assim, torna-se um instrumento que permite que as palavras, até então espectros imateriais, ganhem corpo físico ao marcarem o papel.
Escrever torna-se, então, um ato ambivalente.
É preciso pensar para escrever, mas, às vezes, é preciso escrever para poder pensar.